Jardins urbanos da América

por Betsy Taylor

Algo transformador acontece quando pessoas rodeadas por asfalto na cidade têm uma oportunidade de trabalhar a terra.
Eles plantam sua alma na terra e cultivam uma comunidade

Algo transcendental acontece quando as pessoas trabalham o solo, observam o tempo com atenção e admiram os ciclos repetidos de vida nova. Mas pode surpreender que esta religação com a Terra está acontecendo em centenas de bairros em centros metropolitanos de um lado a outro dos Estados Unidos. As hortas estão produzindo mais do que alimentos saudáveis para estas comunidades carentes. O resultado são índices de criminalidade menores, vizinhanças urbanas embelezadas e novo orgulho comunitário.

Cinco anos atrás, Karen Washington saiu de seu prédio no Bronx e olhou com desgosto para o “desmanche” do outro lado da rua — um lugar onde carros são desmantelados, abandonados e deixados para enferrujar. Ela se perguntou, “Eu me mudei para o Bronx para isto?” e decidiu que tinha que fazer alguma coisa a respeito dos lotes cheios de lixo ao redor de sua casa. Ela chamou todos os vizinhos e pediu que avisassem outros. Cansados de ser o depósito de carros abandonados do Bronx, Karen e seus amigos telefonaram para as autoridades da cidade, repórteres e o Bronx Green-up (tornar o Bronx verde), uma organização sem fins lucrativos. Depois de muitos telefonemas e reuniões de sala de estar, o entulho foi removido e em seu lugar floresceu um lindo jardim. Com a ajuda do Bronx Green-up, dúzias de pessoas de baixa renda passaram vários finais de semana preparando a terra e plantando arbustos, flores e hortaliças. Cinco anos depois, o jardim continua um lugar lindo, onde Karen e seus vizinhos encontram um refúgio e festejam periodicamente com um churrasco.

criança num jardim urbano
Criança num jardim recuperado em Nova Iorque

A história de Karen não é única. Só no Bronx do Sul, 34 novos jardins foram criados em 1995. De Oakland a Atlanta, moradores urbanos de todas as camadas da sociedade estão reivindicando lotes vagos, plantando jardins e desafiando estereótipos urbanos negativos. Ao mudar a paisagem urbana, estes jardineiros voluntários estão também reanimando a comunidade e redescobrindo a importância da natureza para sustentar o corpo e a alma.

Áreas verdes urbanas e projetos comunitários de jardinagem ocorrem em muitas cidades, desde os anos 60 e 70. Em Houston, a horticultura urbana foi primeiramente promovida como uma estratégia contra a fome. Um grupo local sem fins lucrativos, The Park People (O Pessoal do Parque), uniu criativamente 40 hortas locais a balcões de comida e cozinhas de sopão, garantindo que os sem-teto e pessoas carentes recebessem alimentos nutritivos. Agora, O Pessoal do Parque está criando uma rede mais ampla de pomares e canteiros de ervas por toda a cidade.

Em New Orleans, com mais de 10.000 lotes vagos, jardins comunitários são um raro sinal de revitalização urbana. A cidade tem o índice de homicídio mais elevado do país e mais de 30% dos residentes vivem abaixo do nível de pobreza. No entanto, durante a última década, mais de 12.000 cidadãos voluntários ajudaram a regar, capinar, limpar, cortar a grama e plantar 1.200 hectares de espaço verde. Depois que o residente de quatro anos de idade, Mikey Stewart, foi assassinado, os cidadãos se uniram para criar o Jardim do Mikey, um monumento à paz e cura da metrópole. O jardim destaca os tênis de Mikey banhados em bronze e um recipiente cheio de revolveres para sempre silenciados por uma camada de concreto.

Brenda Funches, uma ativa jardineira e organizadora comunitária em Los Angeles, fez o inventário dos jardins comunitários de Los Angeles, imediatamente após os motins de 1992. Ela constatou que, mesmo nos bairros mais atingidos — onde a maioria das construções foi queimada e quase todo resto destruído — os desordeiros haviam respeitado os jardins. Enquanto nada mais foi poupado, os jardins serviram como um campo comum, quase sagrado, no meio do conflito mortífero. Após a agitação civil, a cidade de Los Angeles encomendou um levantamento dos residentes do Centro-Sul de Los Angeles, para melhor entender suas preocupações e necessidades. Setenta e sete por cento ( 77% ) dos residentes nos bairros mais atingidos pelos motins indicaram a melhora de parques e áreas de recreação como “absolutamente crítica” para a restauração de suas comunidades. Um encontro dos chefes das gangues também provocou pedidos de mais árvores, mais jardins e menos lotes cheios de lixo.

O Fundo de Áreas Naturais de Boston está ajudando 700 famílias de baixa renda a preservar hortas nas áreas infestadas por crimes. Em 1996, essas hortas geraram mais de 1 milhão de dólares em produtos agrícolas, assegurando alimentação saudável para muitas famílias carentes. Em 1998, o Fundo ajudou a comunidade hispânica de Boston a criar pelo menos três novas hortas e um parque comunitário.

Mark Francis, um professor da Universidade da Califórnia, em Davis, realizou uma ampla pesquisa sobre os benefícios das áreas verdes urbanas. “A participação ativa dos residentes locais aproxima as pessoas e promove recreação e responsabilidade mútua pelo lugar.

Esses esforços cooperativos para melhorar os espaços abertos urbanos freqüentemente aumentam a cooperação em outros aspectos da vida na vizinhança. Grupos comunitários, que inicialmente trabalham juntos para criar ou proteger um jardim comunitário, continuaram a enfrentar questões adicionais, incluindo problemas de criminalidade, desenvolvimento juvenil, educação, habitação e emprego.

O Ministério de Agricultura dos Estados Unidos encomendou um estudo do efeito das áreas verdes urbanas na área de Chicago. Em seu relatório, foram catalogados os muitos benefícios de jardins e parques. “A área verde de Chicago refresca a cidade, limpa o ar, poupa energia,limita emissões de dióxido de carbono e reduz correntes e alagamentos provocados por tempestades. Proporciona oportunidade para recreação e descanso, um habitat para a vida selvagem, valoriza as propriedades, oferece educação sobre a natureza e torna ruas e bairros mais atrativos.

Outro estudo publicado na revista Science enfocou os benefícios psicológicos e salutares das áreas verdes. De acordo com esse estudo, pacientes submetidos a cirurgias num hospital do subúrbio da Pensilvânia, com janelas voltadas para um jardim, se recuperaram mais depressa, receberam mais comentários positivos das enfermeiras e tomaram menos medicamentos do que doentes em quartos similares, com as janelas dando para a parede de tijolos de um prédio.

Programas de implantação de áreas verdes também têm um impacto acentuado nos índices de criminalidade. De acordo com o Conselho Nacional de Prevenção ao Crime, os policiais da Filadélfia observaram uma relação direta entre lotes vagos, prédios abandonados e altos índices de criminalidade. A polícia do 26ºdistrito da Philadelphia trabalhou junto com o grupo sem fins lucrativos Philadelphia Green para ajudar os cidadãos locais a limpar lotes vagos e implantar jardins. Hoje, o índice de criminalidade nesta área diminuiu acentuadamente, e as crianças, que ajudaram a implantar os jardins alguns anos atrás, são adolescentes que cuidam da proteção e manutenção do espaço verde.

O crescente interesse nos jardins urbanos comprova o poder da natureza e um espírito indomável que ainda pode ser encontrado nas cidades. Algo transformador acontece quando pessoas rodeadas de asfalto recebem terra própria e uma oportunidade de trabalhar lado a lado. Eles unem sua alma à terra e cultivam uma comunidade. Um empregado do Departamento de Parques de Boston colocou, “Na paisagem urbana, não existe, provavelmente, melhor entrosamento…do que lotes adjacentes de três metros quadrados, onde culturas se misturam, os mais velhos reinam, e todo mundo está, silenciosamente, acompanhando o progresso dos outros com muito respeito.” Vitor, um jardineiro de Roxbury, eloqüentemente compartilha o que inúmeros outros sentem, “Eu nasci no campo. Amo o cheiro da terra, o cheiro da grama, que me mantém vivo. Gosto de plantar, de observar algo crescer. Me ajoelho na terra e pego uma mão cheia. Isso é natureza; isso é algo que não pode ser copiado; isso é obra de Deus e eu sinto prazer nisso.
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Fonte: Resurgence, número 176 de 1997. Betsy Taylor é diretora do Merck Family Fund nos EUA.

Jardins urbanos da América – Betsy Taylor

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