Alimentos saudáveis em Trivandrum – Índia

01/04/2010

por G.S. Unni Krishnan Nair

A população do estado de Kerala possui alto índice de alfabetização, chegando a quase 100% em Trivandrum. De forma geral, seus habitantes são conscientes em relação aos cuidados com a saúde e, por isso, a origem dos alimentos que consomem desperta muito interesse. Essas preocupações com a qualidade dos alimentos aumentaram depois do estudo realizado pelo Departamento de Entomologia da Universidade de Agricultura de Kerala. Os resultados do estudo revelaram altos níveis de resíduos de agrotóxicos – bem acima do limite máximo – em amostras de hortaliças consumidas no estado e vendidas nos mercados da cidade. Além disso, o relatório ressaltava uma série de riscos à saúde associados à presença desses resíduos nas hortaliças. O estudo foi amplamente divulgado na imprensa e, em 2002, a Diretoria Estadual para Serviços de Saúde emitiu um alerta público sobre o assunto.

Incentivando o cultivo nos terraços

Assim como alguns agricultores próximos a Trivandrum já produziam hortaliças organicamente há vários anos, algumas pessoas vinham cultivando hortaliças na cidade há mais de uma década. Contudo, essa prática era bastante desorganizada e pouco conhecida na cidade. Foi depois do alerta de saúde que alguns indivíduos e associações de moradores passaram a pensar mais seriamente no cultivo de hortaliças nos terraços das casas. Após buscarem auxílio junto ao governo local, o Departamento de Agricultura do Governo de Kerala lançou oficialmente, no final de 2002, um projeto denominado Agricultura na Cidade. O grande número de inscrições individuais ou por parte de associações de moradores logo após o lançamento demonstrou o grande sucesso da iniciativa. O programa foi popularizado pela imprensa, levando milhares de habitantes de Trivandrum e de outras cidades de Kerala a adotarem a prática de cultivar nos terraços.

Sementes de hortaliças, sacos de ráfia sintética ou vasos de jardim, assim como ferramentas agrícolas, são fornecidos aos interessados pela metade do preço. Tanques de concreto, feitos com manilhas, também podem ser adquiridos pela metade do preço, incentivando os produtores urbanos a produzirem vermicomposto.

Cursos organizados pelo Departamento Estadual de Agricultura em colaboração com as associações de moradores (presentes em cada bairro da cidade) foram oferecidos gratuitamente. A aula teórica é
geralmente realizada com a apresentação de slides sobre práticas de agricultura urbana. Na maioria das vezes, essas aulas são seguidas por visitas a dois ou três terraços cultivados. Assessores do programa visitam os novos terraços cultivados e encorajam os agricultores urbanos a manterem contato entre si e a buscarem
orientações adicionais. Artigos sobre cultivo em terraços passaram a ser publicados nos jornais locais.

Agricultura urbana

Até o momento, cerca de duas mil famílias de Trivandrum incentivadas pelo programa praticam agricultura nos terraços. Muitas outras fazem o mesmo por conta própria. O mais comum é o
cultivo em sacos de ráfia sintética ou em vasos com uma mistura de duas partes de terra, uma parte de areia e uma parte de vermicomposto (ou qualquer outro adubo orgânico disponível,
como esterco seco de gado, de galinha ou de cabras). Os sacos ou
vasos são colocados sobre tijolos para evitar o contato direto com a superfície do terraço.

Muitas hortaliças podem ser plantadas nos sacos. Algumas famílias chegaram a plantar inhame, mandioca, abacaxi e banana. A rotação de cultivos para reduzir pragas é recomendada e a irrigação precisa ser feita cuidadosamente para que a água não se infiltre no terraço. Se todos os membros da família tiverem que sair e a irrigação não puder ser feita, recomenda-se que deixem sacos cheios de água com pequenos furos sobre as plantas. O vermicomposto, o esterco seco de gado, o composto comum ou a torta de nim são periodicamente utilizados como adubo. Há também famílias que cultivam em pequenas estufas.

O senhor.K.P. Pillai cultiva seu terraço há 30 anos. Ele é um exemplo para os outros participantes do programa. Seu terraço possui uma área de apenas 74 m² onde cultiva hortaliças em vasos de cimento e em pneus velhos. Ele junta esterco de cabras de uma comunidade rural vizinha e, depois de seco, o armazena em sacos de ráfia sintética.

Esse esterco fornece a maior parte dos nutrientes para as suas plantas, embora ele também utilize esterco de gado seco em pó, farinha de osso e torta de amendoim. O Sr. Pillai foi um dos primeiros a se inscrever no programa. Atualmente produz vermicomposto e as pragas são controladas com uma solução de sabão, que consiste em dissolver 4-5 colheres de sabão em pó em um balde de água. Ele aprendeu com sua própria experiência quais as espécies de hortaliças melhor se adaptam ao seu sistema de cultivo e prefere produzir suas próprias sementes. Sobre o terraço tem treliças para servirem de suporte a plantas trepadeiras, como as cucurbitáceas (família da abóbora). Árvores frutíferas, como o mamoeiro e a bananeira, também são plantadas. Ele e a esposa dedicam uma hora pela manhã e uma hora pela tarde às atividades no terraço e vêem muitas vantagens nelas.

A partir do exemplo do Sr. Pillai, muitas famílias também estenderam lonas para sombrear o terraço, sob as quais podem criar galinhas em pequenos galinheiros. Outras famílias optaram por cultivar a alga azola em tanques feitos com lona para usá-la como adubo de cobertura para as plantas e como alimento para as aves. As pragas são controladas com catação manual, com iscas-armadilha, com soluções de sabão ou com inseticidas à base de vegetais, tais como decocção de fumo, suspensões de semente de nim e emulsões de óleo de nim-alho. Muitas famílias têm observado que os ataques de pragas não são severos pelo fato de os terraços receberem bastante luz solar direta.

Ligações urbano-rurais

Os agricultores das áreas rurais estão atentos às mudanças nas tendências de consumo na cidade. Eles sabem que os cultivos nos terraços estão ganhando popularidade em função do interesse pela saúde, mas não consideram isso uma ameaça imediata aos seus meios de vida. Afinal, os produtores urbanos não produzem todas as hortaliças e frutas necessárias para as suas famílias e, portanto, ainda precisam comprar de agricultores. Mas os produtores urbanos agora são muito mais seletivos. Por exemplo, bananas com aparência muito boa, mas produzidas com altas doses de adubos químicos e agrotóxicos, são sempre evitadas, não somente pelos produtores urbanos, mas também pela maioria dos consumidores urbanos. Diante disso, alguns agricultores, isoladamente ou em grupos, começaram a reduzir o uso de químicos e a aprender práticas da agricultura orgânica com os extensionistas do Departamento de Agricultura.

Alguns até vendem seus produtos como orgânicos, embora não sejam comuns os sistemas de certificação de hortaliças orgânicas em Kerala. São os próprios consumidores que julgam se a produção vendida é ou não orgânica – em geral, sabe-se que produtos orgânicos não são tão grandes e podem ter algumas manchas de mordidas de insetos, mas são mais saborosos.

Além disso, os produtores urbanos continuam preferindo comprar sementes de hortaliças diretamente dos agricultores rurais em vez de adquirir no mercado, uma vez que acreditam que aquelas variedades que vêm sendo cultivadas por muitas gerações são melhores. Além das sementes, também adquirem estercos dos agricultores rurais que, com isso, têm a oportunidade de diversificar a venda de produtos de suas propriedades.

Benefícios

Uma avaliação dos resultados do programa Agricultura na Cidade comprovou que os cultivadores de terraço conseguem produtos frescos da horta e ovos livres de resíduos químicos – especialmente quando comparados com aqueles vendidos nos mercados. As famílias afirmam também que poupam dinheiro com essa prática. Estima-se que algo em torno de mil toneladas de hortaliças são produzidas por ano pelos agricultores urbanos em seus terraços. Enquanto os custos de produção para o cultivo de hortaliças em um terraço de 40 m² podem chegar a 5 mil rúpias por ano (aproximadamente US$ 100), o valor produzido pode facilmente ultrapassar 40 mil rúpias.

Inspiradas pelo sucesso do programa, as autoridades locais em Trivandrum lançaram um novo projeto este ano cujo objetivo é envolver as crianças no cultivo em terraços em suas casas. Ao mesmo tempo em que promove uma atividade educativa para as crianças, o novo projeto estimula seus pais a assimilarem essa prática. O projeto distribui gratuitamente um kit contendo sementes de hortaliças, adubo orgânico seco em pó e duas mudas de banana a alunos de 20 escolas na cidade.

Outros benefícios foram mencionados por agentes públicos de saúde. Como resultado de estilos de vida ocupados e acelerados, mas sedentários, muitas pessoas de meia-idade e idosas na cidade têm problemas de saúde, como obesidade, pressão alta, diabetes ou elevados níveis de colesterol. Ao iniciarem a prática de plantio em terraços, essas pessoas passaram a se exercitar diariamente, o que é uma medida preventiva contra muitos desses problemas. Ao mesmo tempo, o lixo das casas foi muito reduzido, pois boa parte dos restos orgânicos são reciclados para a produção de vermicomposto.

O Sr. Pillai menciona que, ao cultivar seus próprios vegetais, pode consumir espécies raramente disponíveis no mercado, inclusive algumas que possuem propriedades benéficas à saúde. Citando o Sr. Pillai: “Acima de tudo, o sabor e a satisfação de comer algo produzido com as próprias mãos não podem ser expressos em palavras.”
G.S. Unni Krishnan Nair
Departamento de Agricultura do Governo de Kerala
unni_krishnan1@hotmail.com

Agricultura na cidade: alimentos saudáveis em Trivandrum, Índia – G. S. Unni Krishnan Nair


Agricultura orgânica em áreas urbanas e peri-urbanas com base na agroecologia

14/12/2009

por Adriana Maria de Aquino e Renato Linhares de Assis

Introdução

A urbanização não planejada se apresenta como um dos principais problemas da humanidade. A Fao–Sofa (1998) estima que, para o ano de 2015, mais de 26 cidades em todo o mundo estarão com mais de 10 milhves de habitantes. Para alimentar essa população, de acordo com a Fao (1998), seria necessário importar pelo menos 6.000 toneladas de alimentos por dia. Dessa crescente urbanização, além do fornecimento de alimentos, resultam outros problemas como a preservação ambiental e a oferta de empregos.

A associação quase instantânea que é feita entre agricultura e meio rural pode levar a uma impressão de incompatibilidade entre agricultura e meio urbano. Entretanto, a agricultura urbana não é uma atividade recente e, de alguma forma, sempre se expressou nas áreas urbanas, mesmo que timidamente. Essa atividade tem despertado um elevado e crescente interesse, tanto dos urbanistas quanto dos pesquisadores e responsáveis por elaboração de políticas, na medida em que, onde se estabeleceu com eficiência, desempenhou um papel muito importante na alimentação das populações urbanas, garantindo a sua sobrevivência (FAO, 1999).

Nesse sentido, a agroecologia é um instrumento importante na implementação de estratégias para viabilizar produções agrícolas em pequena escala sob administração familiar, em função principalmente da baixa dependência de insumos externos dos sistemas de produção preconizados, que procuram manter ou recuperar a paisagem e a biodiversidade dos agroecossistemas.

Pretende–se aqui estabelecer uma discussão a partir da hipótese de que “a agricultura orgânica com base na agroecologia pode oferecer instrumental tecnológico adequado para a agricultura urbana”. Para tanto, inicialmente faz–se um rápido debate acerca dos conceitos de agroecologia e agricultura orgânica, suas similaridades e diferenças, apresentando a primeira como uma ciência e a segunda como uma prática agrícola.

Posteriormente, discute–se como a opção pela agroecologia como referencial teórico para a prática da agricultura urbana vincula esta a sistemas de produção orgânicos baseados em processos biológicos e sócio–econômicos locais, e sua importância na segurança alimentar e na implementação do desenvolvimento sustentável. Finaliza–se com a apresentação de algumas experiências em agricultura urbana no Brasil e em outros países, com destaque para o grupo de países subdesenvolvidos, em especial Cuba que, sem dúvida, representa hoje a experiência mais relevante em agricultura urbana.[…]

[…]Análise de algumas experiências com agricultura urbana, com ênfase nos casos brasileiro e cubano

Experiências brasileiras

De acordo com Monteiro e Mendonça (2004), ao se abordar o tema da agricultura nas cidades, é comum a imediata referência às hortas comunitárias. Isso ocorre porque a palavra horta é entendida como sinônimo de cultivo de hortaliças em canteiros. A perspectiva agroecológica, no entanto, não restringe o olhar a um sistema padronizado de produção, com espécies predefinidas, mas procura incorporar ampla diversidade às condições específicas de cada espaço disponível.

De acordo com Almeida (2004), analisando a experiência de Belo Horizonte (MG), a produção agrícola nos espaços urbanos conduziu a melhores hábitos alimentares, sobretudo por ter evidenciado a relação que há entre alimentação e saúde. Assim, as famílias envolvidas passaram a se preocupar mais com plantio e o consumo de alimentos sem contaminações de origem química ou biológica, com a qualidade da água utilizada na irrigação, com o aproveitamento integral e o valor nutricional dos produtos, bem como a priorizar o consumo de alimentos da época e da região. Do ponto de vista econômico, a pequena produção tem contribuído para a renda familiar, através da diminuição dos gastos com alimentação e saúde, das redes de troca e, eventualmente, da transformação e comercialização de excedentes de produção.

Na cidade do Rio de Janeiro (RJ), a despeito de sua minúscula expressão em termos espaciais, os quintais domésticos representam verdadeiros redutos para o exercício de práticas de produção alimentar ainda bastante presentes nas referências culturais de sua população, conforme demonstrou o diagnóstico participativo realizado no Loteamento Ana Gonzaga, sob coordenação de uma ONG (Assessoria e Serviços a Projetos em Agricultura Alternativa – AS–PTA). Na mesma localidade foram identificadas, dentre as famílias mais vulneráveis à pobreza, diversas sem renda mensal e muitas outras com renda de até R$ 200,00, diagnosticando–se que cerca de 50% das famílias ficam até três semanas sem consumir hortaliças ou carnes (MONTEIRO; MENDONÇA, 2004).

Em Belém (PA), Madaleno (2002) verificou que a atividade agrícola intra–urbana minora os gastos com alimentação nas classes média e média–baixa, e ajuda a subsistência das famílias de baixa renda, as quais gastam entre 1/3 e 2/3 do seu rendimento mensal na alimentação. Destacou, ainda, que essa atividade beneficia o meio urbano do ponto de vista ambiental na medida em que, além de gerar áreas verdes, favorece a melhor infiltração das águas de chuva e viabiliza a reciclagem de resíduos, anotando que o maior apoio da municipalidade é fundamental para o incremento da atividade agrícola entre os belenenses e o conseqüente aumento de seus benefícios sociais e ambientais.

A importância do apoio do poder público às iniciativas de sucesso de produção agrícola nas cidades pode ser constatada junto às experiências de Brasília (DF) e Teresina (PI). Em relação ao primeiro caso, podemos citar o caso do “Programa de Verticalização da Pequena Produção Agrícola” (PROVE). Esse programa governamental foi criado em 1995 com o objetivo de promover a pequena produção agrícola, seu processamento e comercialização, em áreas urbanas e periurbanas do Distrito Federal, envolvendo sistemas de hortas, frutas e criação de animais. Neste caso, o apoio governamental foi fundamental para criar oportunidades para pequenas agroindústrias, na medida em que foi necessário revisar e reformular a legislação para inspeção de produtos animais e também vegetais (CARVALHO, 2002).

No segundo caso, na capital piauiense tem–se a experiência do “Programa Hortas”, idealizado inicialmente no âmbito da prefeitura municipal com a finalidade de formação e terapia ocupacional de crianças carentes. Com o tempo, o público alvo foi sendo ampliado para a família como um todo, sendo um projeto com demanda crescente, principalmente na zona de expansão do perímetro urbano onde se concentram as famílias de baixa renda. Hoje, tendo recebido vários prêmios, o “Projeto Multissetorial Integrado Vila–Bairro” é referência nacional, viabilizando o aproveitamento de áreas improdutivas e atendendo a 2.503 famílias com renda entre 1 a 2 salários mínimos, em 117 ha de 38 hortas, através de um sistema de co–gestão entre prefeitura e comunidade (SMPCG, 1999).

Ainda no Brasil, têm–se conhecimento de algumas outras iniciativas, como por exemplo, as que ocorrem em Porto Alegre–RS, Fortaleza–CE, Presidente Prudente–SP, Niterói–RJ e Campos dos Goitacazes–RJ. Mas existem poucas publicações formais sobre essas experiências e, possivelmente, de muitas outras no Brasil. Uma das limitações, muitas vezes, refere–se à da continuidade do trabalho, como foi o caso do PROVE no DF, pela dependência da vontade do poder público, cujo interesse varia entre o período de um mandatário e outro.

Experiência em Cuba

Estando a agricultura urbana organizada com o comprometimento de todos os setores governamentais e da sociedade, Cuba se apresenta como o país mais bem organizado e mais bem sucedido. Com o modelo adotado, a produção de hortaliças nesse país, que em 1994 era de 4.200 toneladas por ano, deu um salto para 2 milhves de toneladas em 2001 (MINAG, 1999; 2000; 2001). Sendo toda esta produção oriunda de sistemas de produção orgânicos adaptados à realidade da agricultura urbana no país.

A agricultura urbana em Cuba iniciou–se com a etapa crítica do processo revolucionário, que ocorreu com a queda do socialismo em outros países em fins de 1989 e início de 1990 e, principalmente com o desmantelamento da União Soviética, com quem mantinha 85% de seu intercâmbio comercial, aliado à manutenção do forte bloqueio comercial dos Estados Unidos. Além disso, Cuba não dispõe de recursos energéticos suficientes e nem de capital abundante (FUNES, 2001). Em 1991, quando ocorreram fortes carências na alimentação, transporte, ausência quase total de roupas e calçados, agravamento da situação de moradias, escassez de produtos necessários à higiene pessoal e coletiva, acarretando um violento decréscimo do nível de vida alcançado na década de 1980, o governo decretou o chamado “Período especial em tempos de paz”. No início deste “Período especial”, a produção de hortaliças em Cuba representava 1 g per capita diária, quando a recomendação da FAO é de no mínimo 300 g/dia.

Desde os anos 1950, a agricultura cubana havia se modernizado e os monocultivos de exportação tinham maior importância que a produção de alimentos. Além disso, os métodos de produção dependiam de insumos e matérias–prima importadas, e muitos componentes dos produtos agrícolas eram também importados, o que intensificava a dependência das importações.

Antes do “Período especial”, alguns pesquisadores do INIFAT (“Instituto de Investigaciones Fundamentales em Agricultura Tropical”) já vinham realizando pesquisas utilizando substratos orgânicos para a produção agrícola, mas como em todos países com grande oferta de produtos químicos que facilitam a produção, até então resultados dessas pesquisas não tinham muita repercussão no país. Com a crise, esses pesquisadores foram envolvidos pelo governo cubano na produção de alimentos numa nova ótica e a produção urbana e periurbana de alimentos em Cuba tomou um grande impulso.

A Agricultura Urbana estende–se por todo país da seguinte forma: toda a Província de Ciudad de La Habana, a área no raio de 10 km das cidades capitais de províncias e em Manzanillo, cidade da província de Holguín, a área no raio de 5 km das cidades sedes de municípios, a área a 2 km de outras cidades e povoados (mais de mil habitantes) e a área imediata em assentamentos (com mais de 15 casas) correspondendo à produção de auto–abastecimento.

O movimento de Agricultura Urbana em Cuba é dirigido pelo Grupo Nacional de Agricultura Urbana (GNAU), sendo apoiado por todos os setores envolvidos na produção de alimentos. O Ministério da Agricultura e as organizações de massa trabalham em conjunto, procurando dar soluções locais a cada problema em particular e com os próprios recursos. O GNAU, composto por 26 integrantes (representando 17 Instituições Científicas e 7 Ministérios), executa suas atividades através de diferentes subprogramas. Com o avanço da Agricultura Urbana, os subprogramas têm se ampliado a cada ano, e atualmente são 28, sendo 12 de cultivos (hortaliças e condimentos frescos; plantas medicinais e condimentos secos; plantas ornamentais e flores; frutas; cultivo protegido; arroz popular; florestais, café e cacau; banana; raízes e tubérculos tropicais; oleaginosas; feijão; milho e sorgo), 7 de pecuária (apicultura; avicultura; cunicultura; ovino–caprinocultura; suinocultura; bovinocultura; psicultura) e 9 de apoio (controle, uso e conservação de solo; matéria orgânica; sementes; irrigação e drenagem; nutrição animal; comercialização; pequena agroindústria; ciência, tecnologia e capacitação; meio ambiente).

A produção de hortaliças e condimentos frescos foi a primeira atividade realizada pela Agricultura Urbana em Cuba, por isso hoje é a mais desenvolvida. Existem várias modalidades de produção de Agricultura Urbana em Cuba: Organopônicos, Hortas Intensivas, Pátios, Parcelas etc. Os organopônicos e hortas intensivas constituem as modalidades mais destacadas nos últimos anos em todo o país, contribuindo de maneira significativa para o resgate do acervo hortícola, sendo considerado um exemplo de como se deve acionar, de forma conjunta, os cientistas e os produtores (MINAG, 2000).

Os organopônicos constituem um sistema fechado de produção de hortaliças e condimentos, sem vinculação direta com o solo. São construídos em áreas improdutivas, planas, próximas ao destinatário da produção final (MINAG, 2000). Algumas estruturas para hidropônicos em Cuba foram aproveitadas para produção em “organopônicos”. Como a hidroponia é o cultivo em água, organopônicos seria o cultivo em substrato orgânico. Assim, acredita–se que esse nome pouco comum tenha sido derivado da hidroponia.

As hortas intensivas, ao contrário dos organopônicos, se desenvolvem em solos de boa fertilidade, em que as propriedades físicas facilitam a drenagem e friabilidade. De acordo com MINAG (2000), as áreas não devem estar propensas a inundações ou arrastes de águas superficiais, devendo estar livres de sombra excessiva provocada por árvores ou edifícios, e apresentando acesso fácil ao fluxo dos destinatários da produção final.

Tanto em hortas intensivas como nos organopônicos, objetiva–se obter o máximo de aproveitamento da área, como por exemplo plantando na periferia, aproveitando a cerca para cultivos hortícolas trepadores, entre outras.

O uso intensivo da matéria orgânica é o fator determinante para a produção com altos rendimentos na Agricultura Urbana em Cuba. Devido à importôncia dessa atividade, existe um subprograma de Matéria orgânica com o objetivo de organizar, fomentar e desenvolver toda essa atividade. Esse subprograma tem trabalhado para a criação de centros específicos para assegurar o processamento e a distribuição da matéria orgânica em diferentes províncias, municípios e conselhos populares, sendo a minhocultura muito desenvolvida e muito disseminada em Cuba.

Outro aspecto importante para a Agricultura Urbana incide sobre o controle de pragas e doenças. O principal aspecto considerado para o bom controle reside primeiramente na saúde da planta bem nutrida. Além disso, outras medidas preventivas incluem a instalação em todos os locais de “pontos de desinfecção de pés e mãos”, especialmente nos organopônicos, ausência de plantas espontôneas nos canteiros e ao redor, proibição de fumar e manipular plantas sem lavar mãos para evitar ataque do vírus mosaico, fundamentalmente de tomate, pimentão e outras plantas suscetíveis, plantio de nim (Azadiracha indica) como planta repelente, e plantio de milho para atrair inimigos naturais (GNAU, 2000). Para controle, os biopraguicidas também são muito usados. Dentre esses destacam–se os preparados à base de frutos e folhas de nim (Cubanim, Cuba Nim–T, Neo Nim, etc.) e de resíduos de tabaco (tabaquina).

Atualmente, verifica–se que toda produção cubana de hortaliças é orgânica e proveniente da agricultura urbana (AQUINO, 2002). Considerando que quase 80% da população cubana é urbana (HERNÁNDEZ, 1999), essa forma de produção traz vantagens para a população, como a garantia de abastecimento durante todo o ano e em todo o país, economia de combustível para o transporte, melhor qualidade dos alimentos, maior produtividade e maior oferta de emprego (COMPANIONI et al., 2001).

Experiências de outros países

Atualmente, a agricultura urbana constitui um fenômeno socioeconômico crescente em todo o mundo. Nos países desenvolvidos, constitui um sistema de produção importante e altamente competitivo, enquanto que nos países subdesenvolvidos, tradicionalmente, tem se apresentado como uma estratégia de sobrevivência dos mais pobres, já que fornece alimento e emprego a uma parcela significativa da população, representando nas cidades africanas importante complemento da renda familiar e relevante fonte de proteínas e vitaminas, conforme relatado por Madaleno (2002).

Mais recentemente, nos países subdesenvolvidos, a produção agrícola nas cidades se disseminou como uma resposta às fortes crises econômicas e às políticas de ajuste estrutural, introduzidas nestes países, as quais geraram aumento dos preços dos alimentos, redução dos salários reais, redundôncia no mercado formal de emprego, entre outros. México, Argentina, Chile, dentre outros, são exemplos de países onde os movimentos de agricultura urbana surgiram em função das crises políticas e sócio–econômicas.

A seguir é apresentado breve relato de experiências de agricultura urbana em alguns países subdesenvolvidos (CABANNES; DUBBELING, 2001; LATTUCA et al., 2002; DANSO et al., 2002; KITILA; MIAMBO, 2002):

a) Programa com instituições e grupos comunitários, iniciado em 1998, para a produção e comercialização de hortaliças, frutas, grãos, adubos e pequenos animais, no município de Cuenca (Equador), tendo a atividade sido incorporada no ordenamento territorial e na legislação urbana;

b) Programa na cidade do México, que busca gerar emprego e garantir alimentos à população, revitalizando a atividade agrícola e evitando que terrenos úteis se urbanizem. Para isto, criou–se em 1997 um Departamento de Desenvolvimento Rural que gerencia recursos, promove capacitação, apóia a organização de produtores e aprova microcréditos para projetos produtivos;

c) Em Camilo Aldao (Argentina), desenvolve–se uma política ativa de agricultura urbana que integra a comunidade em projetos sociais, ambientais, educacionais e produtivos. Os agricultores recebem assessoria e capacitação em técnicas adaptadas à realidade local de recursos econômicos escassos e fácil aplicação. Como resultado, verifica–se a comercialização de hortaliças orgânicas, com marca própria, diretamente com os consumidores ou junto a pequenos varejistas;

d) Em Kumasi (Gana) 90% de toda produção de alfaces e cebolas de primavera e cerca de 75% do leite fresco consumido pelos residentes urbanos são produzidos na própria cidade, com uso intensivo de estercos/fertilizantes e agrotóxicos. Neste sentido, a Rede de Agricultura Urbana de Gana tem procurado difundir os métodos de produção biológica, especialmente o manejo integrado de pragas e a compostagem, sem grande sucesso até o momento em função da exigência por mão–de–obra que estas práticas demandam; e

e) Em 1992, a cidade de Dar Es Salaam (Tanzônia) adotou a Estratégia de Planejamento e Manejo Ambiental (EPMA) na Consulta Urbana. Esta estratégia tem sido a motivadora de mudanças em muitos aspectos relacionados com a agricultura urbana. A EPMA pressupve o diálogo e planejamento urbano participativos. Com este enfoque, organizou–se uma mini–consulta em 1993 para deliberar sobre agricultura urbana, quando então criou–se um Grupo de Trabalho para elaborar estratégias para incluir a agricultura urbana na agenda municipal.

Leia o artigo completo aqui: Agricultura orgânica em áreas urbanas e peri-urbanas com base na agroecologia – Scielo