Hortas urbanas

06/02/2011

por Margarida Ramos Gouveia

A crescente necessidade de espaços verdes dentro das cidades surge como consequência da evolução que estas têm sofrido ao longo do tempo. Até à Revolução Industrial a “fase continua” do território era garantida pela paisagem rural, onde pontuavam os aglomerados urbanos, que constituíam a sua “fase descontínua”. Actualmente observa-se o oposto. A expansão urbana actual culmina no despovoamento de bairros tradicionais, impondo muitas vezes uma volumetria excessiva às novas construções, a degradação de espaços de carácter notável, a destruição de logradouros hortados e uma generalizada degradação da qualidade ambiental. Surgem então espaços abertos degradados, vazios urbanos, núcleos de segregação social. Nos últimos anos, tem-se verificado a utilização desses espaços para uma ocupação agrícola sempre que as condições o permitem, nomeadamente, para o cultivo de hortícolas, principalmente nos subúrbios das grandes cidades, dando origem ao conceito de hortas urbanas. Este fenómeno não é mais que o reflexo de uma das necessidades mais básicas do ser humano: a dependência da paisagem rural. Esta é indispensável não só à existência como à manutenção das cidades. Hoje em dia, devido às dimensões das grandes cidades e das suas áreas metropolitanas torna-se necessária a sua presença intrínseca, que garanta a continuidade da natureza e assegure o funcionamento dos sistemas ecológicos, dependentes da circulação do ar, da água e da matéria orgânica.

A crescente proporção de ocupação dos vazios urbanos por áreas hortadas, nomeadamente com a ocupação de percursos paralelos às auto-estradas e mesmo os próprios taludes, como acontece, por exemplo, na A5, CREL, 2ª Circular e IC 19 exige uma reflexão cuidado sobre o assunto. A existência destes pequenos espaços livres cultivados no espaço urbano, representa para muitas famílias uma necessidade não só económica como cultural, que deve ser incentivada e não ignorada. Estes espaços permeáveis, na sua essência, e plenos de vida, têm uma importância indispensável para a sustentabilidade ambiental e para a manutenção da biodiversidade, ajudando à continuidade de corredores verdes no interior dos perímetros urbanos, assegurando uma maior qualidade ambiental e de vida para os habitantes locais.

A necessidade de praticar agricultura urbana ganha ainda mais força se tivermos em consideração a sua dimensão universal. Em todo o mundo existem 800 milhões de pessoas que se dedicam à prática de agricultura urbana, o que corresponde a 15% da produção mundial de alimentos, sendo que nos países da comunidade europeia, 30% da agricultura é praticada por agricultoras a tempo parcial, que têm outras profissões.

Em Portugal, nos anos 50, o Arqº Paisagista Gonçalo Ribeiro Telles e o Prof. Francisco Caldeira Cabral realizaram um projecto de hortas para Pedrouços, Lisboa. Posteriormente, foi criado o Parque Periférico de Benfica a Carnide, com uma área de 300 ha. Este parque pode ser considerado uma aproximação aos parques agrícolas existentes noutros países europeus. Em 1996 foi criada a Quinta Pedagógica dos Olivais, que teve excelente recepção por parte da população, recebendo aproximadamente 100 000 visitantes por ano, incluindo muitas escolas primárias. A Câmara Municipal do Seixal desenvolveu também trabalhos de requalificação das hortas já existentes, e promoveu a criação de novos espaços hortícolas nos baldios urbanos assim como a incorporação de hortas de carácter pedagógico nas escolas., a serem integradas na Estrutura Ecológica Municipal.

No entanto, este tipo de ocupação espacial não reúne consenso. Se muitos reconhecem o seu valor social e económico e a sua inquestionável importância nas áreas urbanas, outros anseiam pela sua extinção. Veja-se o caso das hortas de Paço de Arcos, adjacentes à ribeira de Porto Salvo, que estão a ser arrasadas para dar lugar a gigantes de betão. Embora o departamento de planeamento e gestão urbanística da Câmara Municipal de Oeiras assegure que os edifícios não se encontram em leito de cheia, esta não é, com certeza, a ocupação do solo mais favorável, contribuindo para a degradação do equilíbrio ecológico.

Hortas urbanas – Margarida Ramos Gouveia – Territorius

Da cidade para o prato

23/10/2010

por Diana Garrido

Entre canteiros feitos com restos de tábuas e sulcos cavados por braços determinados crescem toda a espécie de legumes. Abóboras, tomates, cebolas, feijão, alfaces verdes e roxas, tão brilhantes que parecem de plástico, tremoços, favas e batatas. Há pessegueiros e flores cheias de abelhas, borboletas e toda a espécie de fauna esvoaçante. E por momentos não nos lembramos que estamos no meio da cidade de Lisboa, com calçada portuguesa de um lado e tubos de escape do outro. Na horta popular da Mouraria-Graça (www.horta-popular.blogspot.com) toda a gente é bem-vinda. Inês Clematis, uma artista plástica de 36 anos e impulsionadora do projecto, explica porquê: “Este espaço é de lazer e de descanso. Aqui há partilha de conhecimentos e as pessoas podem conviver. É quase uma terapia.”

E é mesmo. A psicóloga Maria João Matos Silva explicou ao i que dentro das várias correntes da psicologia actuais, “todas estão de acordo em relação aos benefícios do contacto com a terra”. Ou seja, “assim como na criação artística há um processo de sublimação, na criação e na manutenção das hortas também há, ainda que a um nível mais primitivo”. Mexer na terra, plantar alimentos e cuidar deles, para além de dar prazer, “apazigua e permite uma autodescoberta”. Até o hospital psiquiátrico Júlio de Matos foi construído tendo como base a ergoterapia, um processo terapêutico que compreende a ocupação dos doentes, através de trabalhos manuais ou da agricultura.

Convívio de enxada na mão
Para Miguel Morais, 23 anos e licenciado em Sociologia, a agricultura amadora e biológica, é “uma forma de convívio”. Todos os domingos de manhã, o ritual repete-se: Miguel e um núcleo duro de quatro amigos sobem à horta do Monte Abraão, em Queluz, e arregaçam as mangas. Deles dependem as alfaces, as couves, as cebolas, as abóboras, os rabanetes e demais vegetais que há dois anos decidiram plantar num terreno cedido pela câmara. “É divertido. Fazemos experiências de cultura biológica e trocamos conhecimentos. Depois distribuímos entre nós o que colhemos e também oferecemos a outras pessoas. Não é uma forma de subsistência, é mais pela piada da coisa.” A maior dificuldade, assim como na horta da Mouraria – Graça, é a rega. A água é escassa e a câmara, quer de Lisboa, quer de Sintra, não ajuda. “No Verão é preciso muita vontade e persistência para a manter”, conta Inês Clematis.

Horta = trendy
Nos EUA a febre da agricultura já invadiu as cidades e impôs-se como uma tendência. Seja em terrenos seja nos telhados dos arranha-céus: verde é a cor da estação. A dedicação à causa é tão grande que algumas empresas americanas já fabricam vasos para plantar vegetais… de cabeça para baixo. (www.topsygardening.com), para aproveitar melhor o espaço.

Se anda desejoso de pôr as mãos na terra e não tem um terreno, não se preocupe. Se as hortas comunitárias não o entusiasmam, também não há problema. Nenhuma das questões serve de desculpa para fugir à tendência ecoterapêutica: uma varanda é mais que suficiente. Aqui ao lado explicamos como, com quê e quando. Experimente: vai ver que não quer outra coisa. E nada tema, nem é preciso sujar as mãos.

Agricultura urbana: da cidade para o prato – Diana Garrido


Quintais produtivos

28/08/2010

por Pollyanna Quemel

Você já deve ter ouvido falar, ou aqui, ou ali, sobre os homegardens, ou em termo vulgar, quintais caseiros.
Ruthemberg e Price definem esse sistema como um complexo de plantas perenes ou semi-perenes, utilizados por pequeno agricultores com uma superfície de 1 ha (um hectare) e que se encontram próximos de suas casas.

Bom, o fato é que os jardins dos sonhos são sistemas biodiversos. E quem não sonha com um lugar lindo, verde, cheiroso, cheio de energias, em equilíbrio natural, que seja inspirador e exemplo de espaço de qualidade ecológica, e que tem como princípio a diversificação produtiva? Um lugar para reciclar o próprio lixo, melhorar a qualidade do solo, interagir as espécies animais e vegetais, conservar e renovar os recursos.

Fazer um quintal produtivo, ou mesmo explorá-lo, até porque são espaços predominantes, precisa inicialmente de uma leitura da paisagem para identificação das plantas úteis já presentes, das ervas nativas conhecidas e dos animais que também ajudam nessa interação. Dessa forma podemos deduzir outras espécies úteis que poderão fazer parte desse espaço.

O enfoque agroecológico é considerado muito importante nesse processo por reunir práticas importantes para a conservação do meio ambiente.

Várias são as formas de trabalhar esses espaços, resultando num diversificado ambiente com mais oxigênio, sombra para água fresca, cercas vivas, corredores de fauna urbana, conservação e perpetuação das espécies úteis. Tudo pode ser (re) aproveitado nos quintais!

Nos quintais produtivos temos imensa riqueza cultural. Para seu elevado potencial recomendam-se ter todas as espécies possíveis no ambiente do paisagismo sustentável, plantas para enriquecerem o sabor e o valor nutritivo dos alimentos, raízes, tubérculos, fruteiras, medicinais, ornamentais, além de espécies com outras utilidades. Ah, detalhe importante: mesmo em pequenas quantidades, é possível trabalhá-las para agregar valor e gerar renda, fica a critério do produtor o que beneficiar. Mas, o leque de opções pode ir desde mudas, às próprias sementes, temperos e etc.

Vale tanto o cultivo espalhado como o concentrado como, por exemplo, bordadura de cânfora, cobertura de solo com hortelã, cerca de manjericão com tomatinhos, cactos comestíveis, enfim, nessa relação homem/natureza a criatividade pode ultrapassar limites.

As cercas vivas nos quintais são um espetáculo! Pode ter ervas e arbustos, integrados com medicinais e trepadeiras (maracujá, coqueiros, abacaxi, bromélia, chuchus, feijões trepadores), enfim, toda a flora, criando um corredor de amizade e um microclima com sombra e umidade e o plantio de variedades mais desejáveis ou duradouras, pois produzem oxigênio, fazem fotossíntese, acumulam energia, filtram poluição, absorvem ruídos, diminuem a intensidade dos ventos, alimentam e abrigam animais, regularizam a temperatura e umidade, além de favorecer propagação espontânea das próprias sementes.

Essa produção pode subir a escada, conquistando o espaço vertical, com aproveitamento dos muros, que também podem ser elementos de integração e não somente de limitação, como pensa a maioria.

Um detalhe importante é que convém evitar cercas vivas muito altas, que possam barrar a entrada de luz, ameaçar as construções e dificultar o manejo das espécies.

Uma dica boa também é o aproveitamento de cultivo em escadaria, com degraus que facilitem, é claro, todo o manejo das plantinhas. Basta prever que as plantas mais altas fiquem mais próximas da divisa, e as mais baixas fiquem bem perto dos caminhos, com intermediárias no meio.

Bom, é fato que o ganho com os espaços produtivos é um recurso bastante divertido e prático, pois por menor que seja o espaço que alguém possua, varandas de apartamento, janelas, sacadas, terraços, salas, é possível transformá-los em canteiros produtivos, utilizando potes, pratos, garrafas, caixas, uma gama de objetos. Convêm apenas ter os cuidados necessários para mantê-los, pois sabemos que os recipientes não podem conter a famosa água parada, contribuindo para o desenvolvimento de larvas de insetos transmissores de doenças, como a dengue. Depois é só abusar dos conhecimentos sobre a adubação orgânica e compostagem, enriquecendo os vasos com as próprias folhas das plantas aliadas ao aproveitamento dos restos de alimentos, como cascas de frutas, legumes, e tudo mais que forem orgânicos crus.

Além do mais, esses espaços melhoram sua vida e a dos vizinhos. O bom de tudo isso é que se podem integrar plantas que precisam de sol e que se adaptam bem à sombra, como o gengibre, o agrião, as bromélias.

Depois disso tudo e algo mais é só continuar sonhando!

Quintais produtivos – Portal Agroecologia